sábado, 26 de março de 2016

Fadiga Adrenal


Carlos Daniel Llosa
CRM 52-94652-4 
Medicina Esportiva



Você se sente cansado o tempo todo? falta energia para realizar suas atividades cotidianas, sempre sem energia de manhã, mas com insônia de noite? irritabilidade, dificuldade de perder peso, ansiedade? Vive com vontade de comer alimentos doces?
Seu diagnóstico: fadiga adrenal!
Essa síndrome pouco reconhecida pelo mainstream médico é a explicação de por que tantas pessoas sentem esses sintomas, resultado do nosso estilo de vida moderno no qual vivemos constantemente estressados.
Eis a explicação: toda vez que temos um estímulo que gera estresse, as supra-renais (também conhecidas como adrenais) são ativadas, liberando cortisol e adrenalina. Se isso se perpetua, há exaustão dessa glândula, fadiga, e aparecem os sintomas. Simples, não?
Seu tratamento: pequenas doses de cortisona, para repor o que não está sendo produzido pelas adrenais.
Isso tudo seria ótimo, exceto pelo fato que tudo o que eu disse acima é falso. Sim, falso. Nada do que eu escrevi acima tem qualquer tipo de respaldo científico, muito pelo contrário, fadiga adrenal é uma doença que simplesmente não existe para a medicina. Não acredita em mim? não precisa. Há um pronunciamento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia sobre o assunto (http://www.endocrino.org.br/…/fadiga_adrenal_-_sbem_2016_-_…). Você terá bastante dificuldade de encontrar informações sobre o assunto fora de fontes “alternativas”. Isso deveria te dizer algo sobre o quão científica é essa “doença”.
Vamos às explicações dos fatos:
-Como dito acima, fadiga adrenal não existe para a medicina. O que existe sim é o que se chama de Doença de Addison, que é insuficiência adrenal. É um doença rara, que tem critérios bem estabelecidos para diagnóstico, não sintomas vagos e inespecíficos. Essa doença é caracterizada por níveis cronicamente baixos de cortisol, e cujas adrenais não respondem ao estímulo com análogos de ACTH (o hormônio que estimula a produção de cortisol pelas adrenais). Ou seja, se você tem níveis baixos de cortisol, isso vai aparecer no seu exame de sangue e seu médico irá pedir outros exames para fechar o diagnóstico. Se você não tem níveis baixos de cortisol no sangue, seu diagnóstico não é esse. Aproveito e pergunto quais são os critérios diagnósticos de fadiga adrenal, onde foram publicados e como foram desenvolvidos.
-Há inúmeras causas para fadiga, entre as quais estão depressão, apnéia do sono, anemia e hipotireoidismo. Ao colocar tudo sob o diagnóstico de fadiga adrenal, você deixa de diagnosticar a verdadeira causa da fadiga e portanto deixa de trata-la, isso tem consequências potencialmente graves.
-Um diagnóstico diferencial importante para atletas: síndrome de overtraining. Síndrome de overtraining, (simplificando muito) é uma síndrome caracterizada por queda de desempenho esportivo acompanhada de alterações do estado de humor, causada por uma carga de treino excessiva, além da qual o atleta é capaz de se recuperar. Imaginem só as consequências desastrosas de confundir overtraining com fadiga adrenal.
-Efeito Forer: o efeito Forer é um fenômeno descrito por Bertram Forer em 1949, no qual ele descreveu um estudo informal que ele realizou com seus alunos de psicologia. Ele entregou um questionário com perguntas sobre personalidade e disse que devolveria um breve relatório personalizado a cada aluno, após analisar as respostas. Pediu aos alunos que dessem uma nota de 0 a 5 ao relatório (onde 0 seria um relatório pouco preciso e 5 muito preciso), para que ele soubesse o quão preciso foi na sua análise. A nota média foi 4.2. A grande sacada: ele deu exatamente o mesmo relatório para todos os alunos, com frases extraídas de uma revista de astrologia. Onde eu quero chegar? se você dá uma descrição suficientemente vaga e dá razões para as pessoas aceitarem essa descrição, há uma forte tendência das pessoas se enquadrarem nessa descrição. Levante a mão quem tem uma vida tranquila, sem estresses, sem obrigações mais ou menos chatas, com hábitos 100% saudáveis, sono abundante e restaurador. É conveniente achar que isso tudo tem uma explicação simples e um tratamento ainda mais simples, não? Infelizmente não é o caso.
Conclusão:
Você não tem fadiga adrenal pois isso não existe. Existem diversas causas para fadiga crônica e se você não tem de fato uma doença, resta fazer o que você não quer fazer (e não quer me ouvir dizer): dormir mais e melhor, se alimentar melhor e reduzir o estresse na sua vida. Isso é básico e é uma das primeiras coisas que eu pergunto na minha consulta, visto o impacto do sono e estresse na recuperação esportiva. É tudo uma questão de prioridade, você poderia trocar suas duas horas de Netflix por duas horas de sono, mas escolhe o Netflix, por exemplo. Leve sua saúde a sério, adquira hábitos saudáveis ao invés de se medicar para uma doença que não existe.

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