Hoje é uma
data muito especial que mudou completamente o destino da minha vida. A
exatamente um ano atrás, eu conhecia um ser especial (que alguns dizem ser
inanimado mas eu duvido muito) que mudaria
a história da minha vida: a barra olímpica.
Me inscrevi no
campeonato da IPL/ANF por indicação de um amigo, o Diego Figueroa que disse: “cara, você é forte,
deveria tentar. Sem expectativas, claro. Mas tente. Pode ser que você goste”. E
assim eu fiz e fui lá no dia da pesagem. Me perdi no caminho e demorei algumas
horas pra achar o local. Chegando lá, estavam as pessoas montando o tablado, a
Marília organizando tudo e sem tempo nem pra respirar (como descobri que é
comum a ela em dias pré-campeonatos) e um cara que foi me pesar que veio a se
tornar um grande amigo depois, o Carlos Daniel. Ele fez minha pesagem e, nesse
momento, percebi o quanto a falta de tempo nas últimas semanas e a má
alimentação tinham cobrado um preço alto: eu pesei 99,7kg e caí da categoria
que tinha me inscrito originalmente e que era a que eu tinha passado boa parte
dos últimos anos nela: a categoria 110kg.
O CD (apelido
do Carlos Daniel), me tranquilizou e disse que não haveria problemas e poderia
competir na categoria até 100kg sem problemas (sim, é essa a minha história com
a categoria 100kg. Mera casualidade). Aí ele me bombardeou com perguntas
extremamente complicadas que eu tinha lido no livro de regras (sim, eu li o
livro de regras inteiro antes de ir lá): tinha que dizer minhas primeiras
pedidas ali naquele momento. Eu respondi imediatamente com total convicção:
- Não faço a
mínima ideia! (Ainda lembro da cara incrédula dele me olhando. Sei lá o que ele
deve ter pensado mas, com certeza, deve ter sido uma das respostas mais
atípicas que ele ouviu na vida).
Ainda
completei:
- Não faço a
mínima ideia! Vim aqui por indicação do Diego e da Marília. Nunca sequer fiz um
movimento máximo além do terra.
Ele
pacientemente me respondeu:
- Brother,
geralmente a primeira pedida é uma carga que a gente faz 3 movimentos em
treino.
E eu:
- Beleza! Eu nunca
fiz 3 movimentos em treino. (De novo, a cara dele de espanto foi sensacional).
Eu fiz minha
pedida de terra: -200kg!.
E ele
perguntou:
-Tem certeza,
brother?? É uma carga meio alta.
Eu respondi:
- Tranquilo,
essa é uma carga que eu faço de 8 a 10 movimentos em treino.
Pausa no
diálogo pra descrever a expressão dele: os olhos quase saltaram da cara. E eu
com uma cara sem fazer a mínima ideia do quanto isso era alto. Afinal, eu não
via outras pessoas treinando terra em academia e todos os vídeos que via de caras
fazendo no youtube eram na casa dos 300kg. Ai ele disse:
- Bom, se é
assim, beleza. E o supino?
Como não tinha
muita ideia, concordamos em 110 kg. Era uma carga que eu fazia lá meus 6
movimentos no total estilo de treino bobybuilder.
E chegamos a
um impasse: Qual seria o valor do agachamento? Não chegamos a uma conclusão e
chamamos a Marília. Ela, da maneira mais objetiva e direta, disse:
- Se o cara
faz 200kg de terra, consegue agachar com 150kg! Mas a gente ajuda no
aquecimento e, se for muito peso, você diminui até 5 minutos antes de começar o
round.
A assim foi
decidida as minhas primeiras pedidas pro primeiro campeonato de powerlifting da
minha vida. Fui pra casa comer e descansar para o dia seguinte (mal sabia eu
que essa era a última vez que eu tinha essa folga toda num campeonato no Brasil..
haha).
No dia
seguinte, acordei e fui ao campeonato. Peguei um transito terrível na estrada
e, novamente, cheguei achando que tinha me atrasado e não daria mais tempo de
nada. Mas deu tudo mais ou menos certo e ainda tive que esperar algumas horas
pra competir. Coloquei o macaquinho, pus o meião, o tênis, peguei a faixa de
punho e o clássico cinto com meu nome escrito e fui pra área de aquecimento.
Entrei na área
de aquecimento e aconteceu uma coisa incrível: eu vi, pela primeira vez na
vida, uma barra olímpica! Deus, aquilo era a coisa mais linda que o ser humano já
inventou! Eu só conseguia olhar pra ela. Colocava nas costas, agachava e me
sentia numa nova vida com aquela maravilhosa e espetacular barra. Cara! Ela tinha
recartilho!! Era grande! Tinha um diâmetro perfeito pra minha pegada! Resumindo:
fomos feitos um pro outro e fomos separados por 30 anos. Aquele encontro foi
épico.
Terminei o
aquecimento, fiz até 140 kg com uma boa profundidade. E esperei me chamarem pro tablado. Quando disseram: barra pronta Hugo, eu fui até a barra, olhei, fiz a pegada, saque ela, andei pra trás, aguardei
o comando AGACHE, agachei, subi e aguardei o comando GUARDE. E assim, a
história de uma vida mudou.
Saindo do
tablado, recebo os cumprimentos da Marília que disse: E ai?? Gostou? Foi
tranquilo? Meu sorriso vinha da alma e não dava nem pra esconder a alegria.
Disse a ela que foi tranquilo e muito divertido. Ela disse: aumente mais 15 a
20kg na próxima pedida. Fui lá e pedi
170kg. Mesmo procedimento na segunda pedida e também foi um sucesso.
Olhei os
outros competidores e pensei: tenho que tentar ganhar. Terceira pedida: 200kg!
Saquei a barra e mal consegui andar pra trás direito. Comecei a descer e tentei subir, mas meu corpo não saiu do lugar. Fui ajudado
e, até aquele momento, dividia o segundo lugar com o Felipe Ferrari com 170kg
de agachamento.
Vamos ao
supino. Aqueci e fiz até 100kg no aquecimento. Bem pausado e com calma. Pensei
em subir mais 10kg mas vi que eu tinha a saída mais alta entre os outros
atletas. Resolvi deixar em 110 mesmo. Esperei ser chamado ao tablado, fui la,
deitei no banco, fiz o arco que tinha aprendido vendo os vídeos da equipe MAD
powerlifitng pelo youtube, me passaram a barra, esperei o comando, desci,
esperei o comando, subi e esperei o comando guarda. Foi legal, porem achei bem
leve.
Segunda pedida:
125kg. Fui lá e fiz da mesma forma. Ainda achando leve. Resolvei subir pra 140
kg. Depois que subi, o André Giongo olhou pra mim e disse: - Cara, põe peso
nesse supino que ta fácil demais pra você. Eu disse: subi pra 140kg agora. Acho
que ta bom, né? Ele concordou. Fiz os 140kg e fiz a quarta pedida de um número
impensado pra mim: 150kg. Foi meio difícil mas consegui fazer. Terminei o
supino e estava em primeiro lugar. Eu, o mesmo cara que foi apresentado a uma
barra olímpica há 2 horas.
Vamos ao
terra. Cheguei a pegar na barra que ia ser usada no campeonato pro terra pois
tinha uma dúvida: minha pegada abria em barras comuns com peso a partir de
200kg. Quando segurei a barra, dei risada. Ela tinha o maior grip do planeta.
Ia aguentar o peso que fosse. Aqueci até 180kg tranquilamente, afinal não tinha
muito peso ali pra mim ainda. Fiz 200 quilos quase que saltando do chão. Estava
tudo muito leve. Subi pra 220kg. Fiz e cometi um erro técnico de não travar os joelhos.
A carga era tão leve que eu inclinei demais o tronco pra trás e o joelho não
finalizou. Nesse momento, tinha perdido a liderança pois o Eliseu tinha feito
240kg e eu só tinha 200kg válidos até aquele momento. Eu tinha pedido 240 kg
também mas foi a hora que eu senti algo diferente: havia algo em mim que dizia:
faça 250kg. Foi uma carga que tinha feito uma vez só antes disso na academia
com strap por causa da barra convencional.
Mudei a pedida
para 250kg. Fui pra barra e ouvi o trovão da chuva que caia la fora. Olhei pra
barra, ela me olhou de volta. O grito apareceu na minha garganta como se fosse
algo do fundo da alma. Gritei enquanto caminhava. Tudo ficou quieto. O tempo deixou de existir. O mundo deixou de
existir. Só existia eu, a barra e o movimento. Eu tinha transcendido. No
primeiro campeonato. E foi a melhor sensação que já tinha experimentado. Três
brancas, um título brasileiro e o
recorde de supino e terra. A sensação era de pertencer aquilo. Eu nasci pra
fazer isso, pensei. Tentei ainda uma quarta pedida de terra com 282,5kg mas,
infelizmente, a pegada abriu e não consegui finalizar adequadamente o
movimento.
Ai veio a
premiação, a confraternização e tudo mais. Mas duas frases trocadas com a Marília
merecem ser contadas ainda:
Ao final do
campeonato enquanto rolava a apuração (a planilha sempre da algum problema e
demora). Estava sentado perto da Marília e começamos a conversar. Ela perguntou
sobre o que tinha achado e eu, na hora respondi:
- Uma sensação
estranha, Marília. É como se eu fosse um estrangeiro que tivesse voltado pra
casa.
Ela perdeu a
cor e me olhou no fundo dos olhos visivelmente abalada. Achei que tivesse dito
algo errado e quase me desculpei antes dela conseguir dizer algo. Depois ela me
contou que essa foi exatamente a sensação que ela mesmo tinha tido com o
powerlifting. E ela descreveu isso com as mesmas palavras que eu tinha usado.
Acho que, se existir destino, ele deu uma bela prova de existência naquele
momento.
Outra frase
foi a que ela me disse quando me abaixei pra receber a medalha:
- Pra alguns
isso é apena uma diversão. Pra outros é uma forma de vida. Não importa o tempo
que tenha demorado, o importante é que você chegou em casa agora. Seja bem
vindo de volta e parabéns.
E hoje eu
comemoro um ano no meu lar. Um lar que da trabalho pra manter e deixar limpo,
me custa muitas horas de dedicação, custa caríssimo afetivamente pois não deixa
espaço pra quase mais nada e conta com a incompreensão de grande parte das
pessoas. É um caminho extremamente solitário, dolorido e lesivo. Mas vale a
pena. Me deixa sob controle das desordens neurológicas que possuo. É um caminho
de loucos. Mad with pride!
4 comentários
Parabéns...
Que história. Parabéns!
Já tinha percebido que tinha perdido você,mais agora fico feliz que seja por uma justa causa.Parabéns e que seja muito feliz !!!!!!
Vamos lá, querida mãe:
Parece que você esqueceu a maneira que criou seu filhinho, né? Lembra quando você dizia pra mim: "quando fizer algo na vida, dê o seu melhor e vá até o final?" Pois é.. é só isso que estou fazendo aqui. Isso é o meu melhor e isso é ir até o final. Isso exige foco, concentração e lidar com dores que são comparáveis a sua porque eu aprendi a usar uma escala de dor e já comparei ela com trabalhos que mostram que eu vivo em escala comparável a artrite reumatóide grave.
Essas são MINHAS escolhas... MINHAS dores. Eu fico profundamente chateado quando as pessoas acham que me perderam pra um esporte. Não é "perder" porque não é uma "competição" a minha presença com pessoas X a minha dedicação ao esporte que me escolheu.
Esse joguinho afetivo foi muito bem trabalhado em terapia ao longo de 2015 e me fez entender que eu TENHO SIM espaço pra lidar com afetos independentemente da minha relação com o esporte. Aparentemente, uma única pessoa fora do mundo do powerlifting entendeu isso até hoje.
Espero que consiga lidar com isso de maneira adequada pois, de forma nenhuma, você me "perdeu" e o esporte me "ganhou". São caixinhas diferentes e todas eles tem espaço dentro de mim.
Bjo
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