quinta-feira, 26 de maio de 2016

A CRISE DA CONCEPÇÃO DO TREINAMENTO DE FORÇA NO ESPORTE DE ALTO NÍVEL




A concepção do treinamento de força no esporte de alto nível, hoje, está baseada em 4 pontos: treinamento funcional generalizado, treinamento de força máxima e explosiva ineficientes, modelos genéricos e inadequados de “periodização” e, uma “excessiva” e “perdida”  simplificação do conceito de especificidade. Ao longo do tempo, o que pode dar até certo resultado nos primeiros ciclos de treinamento, alcançara uma barreira de performance.

Nos primeiros anos desta nova tendência no Brasil, os resultados certamente foram positivos por causa da mudança de metodologia de treinamento: do tradicional (estilo “bodybuilding”) para o “funcional”. Os atletas começaram a treinar não de forma mais “específica”, mas, principalmente, de forma menos segmentada. E também incluíram em seus treinos exercícios e metodologias (“novas”, “esquecidas”) como o levantamento de peso olímpico.

O problema é que toda esta novidade está longe de ser “especial” e carece de toda uma metodologia (forte e coesa) baseada na atual metodologia científica do treinamento desportivo. Cada treinador faz o que “acha” ser o certo. E os resultados em algumas modalidades esportivas (que começaram a utilizar esta nova concepção há algum tempo) já começam a perder a eficiência dos primeiros ciclos, como por exemplo, no MMA.

A concepção do Treinamento Força Especial baseia-se nas pesquisas realizadas sobre os atletas soviéticos de elite de diferentes modalidades esportivas.

Nessas pesquisas, feitas durante 20 anos, estiveram envolvidos treinadores da equipe nacional, estudantes de pós-graduação e colaboradores científicos (64 pessoas do laboratório "Otimização do processo de treinamento no esporte de alto nível” de Yuri Verkhoshansky).

Na base dessas pesquisas, foram feitas mais de 20 dissertações, liderados por Verkhoshansky, que permitiram obter 23 doutorados e dois títulos pós-doutorado (apenas na União Soviética, início dos anos 90 e, com participação pessoal de Verkhoshansky).

Atualmente na Rússia, o treinamento de força especial é utilizado pelos melhores atletas no período competitivo.

Esta é a metodologia de treinamento mais discutida e verificada no mundo, mas que infelizmente não é bem conhecido no ocidente.
A maioria dos resultados dessas pesquisas foi sintetizada nos livros de Verkhoshansky: "As bases do treinamento de força especial no esporte", "Programação e organização da formação" e "Preparação física especial no Esporte".

Treinamento de Força Especial

Primeiramente, é necessário, de uma vez por todas, entender o conceito de treinamento de força especial (TFE). Esta metodologia foi criada na União Soviética por Yuri Verkhoshansky (que genialmente soube “usar” tudo o que já tinha de bom e inovar) e revolucionou definitivamente a preparação física nos esportes de alto nível.

“Treinamento de Força Especial é o uso sistemático de um complexo de exercícios de força especializados, direcionados para o aumento da potência do exercício competitivo em uma determinada disciplina esportiva” (Rambo, 2013 – traduzido e adaptado de Verkhoshansky, 2011).

Para entender bem este conceito, é importante levar em consideração:
1. “especial” porque específico é apenas o gesto desportivo específico, em condições específicas (competição), ou seja, o exercício de competição;
2. “uso sistemático de um complexo” requer o entendimento não apenas de periodização, mas programação de treinamento e biologia do esporte (interação bioquímica dos efeitos do exercício e o organismo do atleta);
3. “exercício de força especializado” compreende as noções biodinâmicas do gesto desportivo;
4. “aumento da potência do exercício” é uma consequência do aumento do potencial motor.


Na prática, para utilizar o TFE, é necessário saber (Rambo, 1997):
1. Quais as capacidades de força que necessitam ser desenvolvidas;
2. Que meios (exercícios) utilizar;
3. Que metodologia utilizar;
4. Como controlar o treino;
5. Como organizar o treino.


O objetivo final dos exercícios de competição está quase sempre relacionado a capacidade de expressar a potência produzida pela velocidade de movimentos e pela força de superação da resistência externa. Consequentemente o processo de treinamento, com o foco de melhorar o resultado esportivo, representa o processo de aumentar a potência do exercício de competição.

Melhorando a Estrutura Biodinâmica do Exercício de Competição


Para aumentar este potencial motor, é necessário melhorar a estrutura biodinâmica do exercício de competição (“assinatura” do movimento feita pelo atleta) através de 3 passos:
1. Identificar o elemento-chave do exercício
2. Aumentar o efeito de trabalho.
3. Melhorar a eficiência da interação entre movimento(s)-chave e, entre movimento(s)-chave e movimento secundários.


Para Identificar o elemento-chave do exercício é necessário analisar a estrutura biodinâmica do exercício. Os movimentos-chave mais comuns podem ser identificados em 3 grupos de movimentos:
1.  Deslocamentos do centro de massa corporal de uma determinada posição corporal para uma determinada posição (exemplo: esforço de força de propulsão no chão na fase aérea da corrida e, esforço de força de propulsão na água na braçada na natação).
2. Deslocamentos do membro corporal “ativo” (exemplo: nas fases de contato entre o membro e a bola, no final do movimento no chute do futebol).
3. Deslocamento sincronizado do centro de massa corporal e o membro corporal “ativo” no final do movimento (lançamento) e nos movimentos finais dos elementos técnico-táticos principais da atividade competitiva nos esportes coletivos e esportes de combate.

Aumentando o Efeito de Trabalho dos Movimentos-Chave do Exercício de Competição

Para aumentar o efeito de trabalho dos movimentos-chave do exercício de competição, o exercício local, com estrutura motora única deve ser usado. Os exercícios localizados devem ser escolhidos com base na semelhança dos campos de força nos movimentos-chave (com base no Princípio da Correspondência dinâmica).

Para melhorar as interações, os exercícios globais, com estrutura motora complexa, devem ser usados. Os exercícios globais devem reproduzir o exercício de competição como um todo ou os elementos principais técnico-táticos sob condições mais difíceis.

No entanto, as diferentes condições sob as quais o sistema neuro-muscular funciona durante a execução de diferentes exercícios de competição exigem diferentes mecanismos para assegurar estas mudanças. Esses mecanismos estão relacionados com a ativação de diferentes características funcionais do sistema neuro-muscular (recrutamento da unidade motora, frequência de ativação da unidade motora, sincronização da unidade motota), que são normalmente associados com a capacidade de força.

As formas básicas de expressão dessas características funcionais foram identificadas como capacidades básicas de força:

1. Força máxima;
2. Força explosiva;
3. Força de saída;
4. Força de aceleração.


E, em relação ao regime de contração, as capacidades de força são:

1. Força rápida (velocidade alta);
2. Habilidade reativa (do sistema neuro-muscular);
3. Força de endurance
- Força de endurance estática;
- Força de endurance dinâmica (potência anaeróbica máxima e endurance muscular local).


Cada uma destas características funcionais pode ser efetivamente melhorada utilizando um determinado exercício de treinamento de força especial no regime apropriado e de acordo com o método apropriado. Como regra geral, para se obter um aumento de determinada característica funcional, o exercício de treinamento de força especial deve enfatizar a sua expressão máxima.
Considerando que diferentes meios de treinamento utilizados em conjunto no processo de treinamento provocam uma adaptação morfo-funcional integrada (efeito de treinamento acumulado), uma determinada combinação de diferentes meios pode ser usada para melhorar o efeito de trabalho de um determinado movimento-chave. Assim, deve-se pensar não apenas no exercício, mas integrar diferentes meios de treinamento em um sistema de meios de treinamento.

Força Explosiva


O primeiro ponto importante para aplicação eficiente de um sistema de meios de treinamento para o desenvolvimento da força explosiva é o entendimento do que realmente ela é e sua importância para o resultado esportivo. Força explosiva é caracterizada pela capacidade do atleta atingir o máximo de força no menor tempo. Se o meio ou método de treinamento não permite essa execução rápida, como por exemplo, um aumento da fase de transição entre a fase cedente e a fase de superação do exercício por causa do peso excessivo, a força explosiva não será desenvolvida.

O elemento mais importante da aplicação do método de treinamento da força explosiva é o intervalo entre as séries e o intervalo entre os grupos de séries. O intervalo constitui uma regra do treinamento de força especial para conseguir o efeito de treinamento necessário.

A segunda característica metodológica de um treinamento de força explosiva eficiente é que a contração muscular seja a mais rápida possível, o que só pode ser conseguida através do total relaxamento dos músculos, como breves sacudidas no corpo entre as repetições de uma mesma série.

A terceira característica metodológica importante é o tempo de execução do exercício de força explosiva em uma série. Para o desenvolvimento da força explosiva de grande oposição externa, a série não pode ser maior do que 10/15 segundos. Para o desenvolvimento da força explosiva de baixa-média oposição externa (como em esportes cíclicos de endurance), a série deve ser aumentada progressivamente de 10/15 segundos a no máximo 30 segundos.
A quarta característica metodológica é quantidade de séries para manter a força explosiva durante a realização do exercício. O número ótimo são duas séries em um grupo de séries.


Para cada capacidade de força existem meios e métodos específicos e eficazes, com características e aplicações especiais na execução do exercício e na forma que este exercício será realizado. Assim, métodos eficazes para o desenvolvimento de outras capacidades, como por exemplo o método de circuito, não são recomendados para o desenvolvimento da força explosiva. O método de circuito estimula o sistema muscular e o sistema cardio-vascular, ajuda a aumentar a capacidade dos sistemas energéticos, aperfeiçoa as capacidades funcionais de vários grupos musculares e ativa a reorganização morfológica do corpo. Assim, o método de circuito representa um ótimo método de preparo do sistema muscular para o trabalho no regime específico nos jogos esportivos e esportes de combate.

7 comentários

1922 disse...

Algumas dúvidas após ler o artigo:
1) No 3º parágrafo fala que alguns métodos utilizados no MMA começam a perder eficiência. Pode especificar quais esses métodos? E quais seriam boas opções para utilizar no desporto em questão?
2) Para um atleta de desportos de combate, quais as maneiras indicadas para trabalhar as 4 capacidades básicas de força (Força máxima; Força explosiva; Força de saída; Força de aceleração)? Deve-se priorizar umas em relação a outras? Como organizar o treino de cada uma delas?
3) No final refere o método de circuito como um bom método de preparo. Em que fase da periodização devem ser utilizados os circuitos para melhorar a preparação de um lutador? E naqueles desportos em que não há um calendário competitivo definido, podendo variar o número de competições que um atleta faz num ano e também o espaço de tempo entre cada competição, como é o caso do Jiu Jitsu?

Sei que são perguntas que dariam respostas muito longas, mas se puderem responder com o essencial agradeço.

Obrigado e continuem com o bom trabalho.

Hugo Quinteiro disse...

São perguntas que serão respondidas em dois cursos completos do prof Riccardo Rambo: força nos esportes e pliometria e método de choque. Um já está disponível no próximo semestre e o outro em 2017. Segue o link para inscrições:

http://www.madpowerlifting.com/cursos/agenda/

Hugo Quinteiro disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

1922 disse...

Olá Hugo. Caso não morasse na Europa com certeza já teria atendido muitos dos cursos que vejo sendo publicitados pelos membros da vossa equipa. Um abraço

Hugo Quinteiro disse...

Deverias ter seguido meu conselho e acessado o link. A partir do próximo semestre teremos algumas poucas vagas online para alunos acompanharem ao vivo a transmissão dos módulos que acontecem aqui no brasil. Distância não é mais problema :)

1922 disse...

Bom saber isso Hugo, no link não tem essa informação. Eu costumo acompanhar os vossos posts nos vossos facebooks/blogs, portanto quando abrirem as inscrições para o curso de Treino de Força nos Esportes entrarei em contacto. Abraço

Hugo Quinteiro disse...

Está sim. dentro do formulário de inscrição do segundo semestre. Esse aqui: https://pt.surveymonkey.com/r/PVDVQ5H

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