terça-feira, 29 de setembro de 2015

I am Jack's inflamed sense of rejection (I am Jack's broken heart)




Texto: Marília Coutinho

Eu sou Hugo Quinteiro. Eu sou um professor. Eu sou um atleta. Eu sou um educador. Eu sou um cidadão de um país e meio (quase cidadão Português completo, além de brasileiro). Eu sou um homem como tantos bilhões aí no planeta. Diferente da maioria destes bilhões, eu vivo segundo coisas que me dão significado, o que me garantiu o rótulo de “passional” (passionate). Sim, eu sou apaixonado. Sou apaixonado pelo levantamento de peso bem feito, sou apaixonado pelo esporte do powerlifting, sou apaixonado pelo conhecimento científico, sou apaixonado pelo processo de ensino-aprendizado.


Como todo ser passional, eu vivo segundo princípios. E estes, eu defendo até a raíz, ou seja, “radicalmente”. Eu sou radicalmente meritocrata, pois acredito que a única forma justa e de boa qualidade de ciência e de esporte são aquelas baseadas no mérito.


Existem outros critérios, critérios estes que cada vez mais dominam as temáticas das minhas paixões, me afastando da discussão. Me afastam porque me são repugnantes. É repugnante para mim observar uma guerra sobre quem tem mais perda histórica e, portanto, mais direito “à coisa”. Digamos ao saber. Quem sofreu mais? Negro? Mulher? Deficiente? Portador de desordem mental? Sofredor de abuso familiar? Transgênero? Indígena? Homossexual? Quem ganha, na guerra da pontuação do sofrimento e da discriminação? Era a guerra do protagonismo.


Essa guerra, a princípio, me deixava perplexo: eu apoiei todas estas causas - cada uma delas, com abaixo-assinados, manifestações, comprando livretos, indo a concertos. De repente, eu virei inimigo porque eu não era nenhuma delas e elas brigavam entre si pela prioridade sobre aquilo que eu queria fazer: ciência, educação e esporte. O espaço para discutir o que eu gostava foi diminuindo onde ele era próprio, e aumentando o espaço do protagonismo.


Foi quando eu percebi que eu estava sendo expulso da minha própria história porque eu não joguei o jogo do século: o jogo da minoria oprimida. Eu ainda posso jogar. Sou portador de desordem mental. Eu podia ter jogado firme: minha família não tinha dinheiro e, apesar da facilidade que a FUVEST era para mim, na minha adolescência eu aprendi a fazer contas, pois trabalhei como auxiliar numa corretora de seguros e tenho esse diploma em casa. A mensalidade da faculdade “bunda” perto da minha casa era menor, em valor, do que o custo do transporte da minha casa até a USP e minha alimentação. Muito menor. Menor a ponto de realmente não valer a pena estudar na USP - uma universidade pública onde Educaçao Física só tem curso diurno (e eu ia trabalhar onde? Em que?).


Fiz a faculdade e paguei fazendo amplo uso do conhecimento que adquiri na disciplina de contabilidade no curso de corretor: frango é mais barato que carne bovina. Passei alguns anos comendo frango, arroz, feijão e salada barata. Carne moída de vez em quando. Isso é horrível? Faz de mim um coitado? Não. É só chato.


É chato não ter tido o diploma da USP que eu poderia ter. É muito chato ter que ter aberto mão de ser atleta de alto rendimento e de topo no judô porque minha família não tinha como me sustentar para aquele nível e bancar viagens para eu competir. É chato.


Um dia, numa conversa com um amigo americano que fez as mesmas contas apertadas que eu (é engenheiro e trabalha no departamento de vendas, vejam só), compartilhamos essa percepção sobre quem, na mesma situação pela qual passamos, investe enorme esforço em utilizar sua ferramenta política para obter vantagem. O meu amigo falou sobre o dia em que estava numa fila de supermercado com macarrão e ovo no carrinho e viu a senhora em welfare no carrinho da frente com vários ítens muito mais gostosos, que ele gostaria de comer, mas na conta dele não cabiam. Ela continua em welfare - ele é diretor da empresa.


Mas quando esse discurso penetra a educação, a ciência e o esporte eu me sinto ofendido. Deixei de ter “bolsa de pobre” porque achei que não era digno. Se eu tinha chegado até ali fazendo contas, continuaria do mesmo jeito. Mas meu olhar para os que pegaram essas bolsas mudou. Mudou também meu olhar para quem passou a querer impor uma agenda de pesquisa baseada nos tais protagonismos: leva mais dinheiro de pesquisa quem for politicamente mais correto.


Quando eu cheguei no esporte e vi a mistura disso com a corrupção aberta, onde o atleta pobre se aliava com o traficante para assim, juntos, terem acesso a verba governamental, aí eu fiquei chateado mesmo.


Me juntei com quem parecia igualmente chateado. Levei boas porradas em discussões digitais, que ficaram na moda de uns anos para cá. Na última, sei lá como, me vi sozinho defendendo a entidade que nos une, a BPL. Não deu outra: os trolls se uniram, invadiram minhas midias e fizeram um inferninho que durou um dia.


Perguntei no grupo ao que eu pertenço por que me largaram lá com a brocha na mão. A maioria se desculpou. Alguns trabalham sem celular e nem viram a coisa acontecer. Mas uma garota que é “bolsista-pobre” e defensora das coisas que eu, na minha, quieto, rejeito, resolveu justificar a ausência dela por ser pobre, estudante de universidade federal (uma das 3 melhores do país pelos critérios da CAPES) e uma listinha de ítens de opressão.


Eu não sou santo. Como outros amigos com histórias semelhantes, aquilo apertou o botão vermelho errado. O nome mais benigno que eu tenho para o sentimento que aquele discurso de vitimização me causou é ódio. Então eu contei minha história inteira, com detalhes sórdidos sobre o maldito cheiro do frango, e usei palavras pesadas como “discurso nojento de esquerda”. Porque neutro como eu sou, que nem acredito em esquerda ou direita, a moça eu sei que é e naquele momento tudo que eu queria era atacá-la. Eu já cresci o suficiente para não acreditar que sorriso e conversa de coitado torna um ataque menos doloroso.


Nesse momento, uma pessoa, que até, sei lá, dias antes, era meu amigo, entrou com fúria assassina para cima de mim.


Parênteses: enquanto a Marilia viajava, Essa pessoa e eu treinamos juntos. Sempre nos demos bem. Eu sabia que ele se identificava como pessoa de esquerda e eu acho que ele sabia que eu não - como eu disse, eu não sou nada.


Fim do parêntesis. A pessoa veio com tudo. Tomou meus insultos (vários e feios) contra a esquerda como insultos contra sua pessoa. Isso foi bizarro. Era isso mesmo que eu estava lendo? Cheguei a escrever essa frase. Era. A coisa evoluiu: ele destacou diversos elementos da minha pessoa para desqualificar e insultar.


Eu revidei, com igual ou pior virulência.


Ele revidou, com pior ou igual virulência.


Eu revidei, com igual ou pior virulência.


Ele revidou, com pior ou igual virulência.


Eu revidei, com igual ou pior virulência.


Ele revidou, com pior ou igual virulência.


Ninguém mais falava: só nós dois.


Não acho que é possível nunca mais um diálogo nem mesmo cordial entre nós. Talvez formal, em nome da entidade, se é que tanto. A essa altura tudo mudou.


E é nisso que eu queria chegar. A reação do ex-amigo, ao meu insulto a uma coisa abstrata, “a esquerda”, me abriu um outro Brasil. Talvez um outro mundo.


Todo o argumento sobre a impropriedade da vitimização foi para o lixo. Não podia mais ser discutido. Ele era “da esquerda”. E eu insultei a esquerda. Com isso, insultei as vítimas e minorias. Insultei, vejam só, a mim mesmo!


Essa palavra tão poderosa, “a esquerda”, entronizada como símbolo de pureza e idoneidade moral, virou um monstro que engoliu todas as minhas intenções de ação coletiva. Sumiu tudo embaixo do cobertor da “esquerda”.


Essa briga surreal com ele marcaram um momento na minha vida. Não sei para onde ela vai agora em termos de projetos que envolvam mais do que eu mesmo ou sei lá, mais uns dois amigos.


O sonho acabou. The dream is over.


O sonho começou a acabar com o discurso da moça-coitada. E morreu embaixo do ódio do de um ex-amigo, que aqueceu o meu próprio.


Eu continuo não sabendo o que eu sou. Eu continuo acreditando que todas as minorias que sofrem por sê-lo precisam de ajuda e eu continuo, como sempre, achando que se for possível eu vou ajudar. Só que se na frente delas aparecer um Justiceiro Social Raivoso, babando acusações e apontando seu dedo de senteça contra mim - homem branco (só que pobre! louco! eu também tenho protagonismo moça, negocia aqui comigo), eu vou virar as costas e ir embora.


O que é mais ou menos o que eu estou fazendo.


Larguei o grupo da entidade. Com toda sinceridade, nesse momento, depois de ver tantas manifestações de priorização de TUDO, menos o bem comum (os vários egoísmos, o papo esquerdófilo surreal, etc) da entidade, eu não quero mais a entidade. Porém, um senso dever com o esporte que, até agora, me deu TUDO que eu quis, me faz continuar. Ainda vou tentar entender o porquê disso em terapia.


Se por genética, se pela força da minha loucura, se por ser um bom treinador e treinado, eu alcancei um nível de elite esportiva que me permite não depender mais de entidade nacional alguma. Vivo num limbo internacional conveniente. É o meu egoísmo, versus o egoísmo de todos os demais (a moça-coitada, o moço-que-comprou-anilhas-e-só-vem-em-campeonato-pronto, o ex-amigo e seu papel de guardião da “esquerda”, os cariocas e seus passeios por São Paulo).


Meu treino vai bem. Minha dieta vai bem. Meu progresso está dentro de tudo que programamos. Minha vida pessoal está bem. Minha empresa, a MAD Powerlifting, só melhora.


Minha prioridade máxima agora são três campeonatos que eu vou ganhar e onde vou quebrar recordes.


Eu declaro o irracional incompreesível e para sempre incompreendido, pois não vou mais dedicar energia psíquica para isso. Minha energia vai para levantar quase 400kg do chão agora, e, logo mais, mais que isso.

É isso.

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