quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Desconhecendo o desconhecido

Muitos de vocês conhecem minha relação com a força. Mas para os que ainda não conhecem, resumidamente explico que, se minha força não existisse, eu não existiria. A minha relação com a minha força é algo íntimo assim. Desde que descobri que poderia aumentar minha força (isso já tem quase uma década), comecei a estudar formas para que isso acontecesse.

Um dos primeiros conceitos que lembro ter estudado foi o de força máxima. Que era, resumidamente, a maior força voluntária que uma pessoa poderia executar em um movimento. Achei interessante na época, porem já tinha uma pequena dúvida se formando em minha cabeça: “ok.. mas qual a utilidade disso se ela dura apenas um momento?”

Não fiquei satisfeito. Porém percebi que a esmagadora literatura científica utiliza o conceito de força máxima para algo muito importante: determinar as cargas de treino. Outro alarme do ilógico soou na minha mente de graduando curioso: “Mas se o objetivo é aumentar a força máxima ao longo do tempo, porque utilizar um valor fixo no tempo? A força máxima deveria progressivamente aumentar com o tempo, não?”. Vasculhando a literatura científica, não se encontra nada sobre essas minhas perguntas. Apenas descrevendo treinamento baseado num percentual da força máxima  (clique aqui e aqui) e a padronização e aplicação de testes de  de 1rm (clique aqui)

Na minha iniciação científica, até desenvolvi um modelo matemático que, através de regressão linear múltipla, conseguia prever com pequeno erro padrão de estimativa a carga máxima do praticante utilizando suas medidas antropométricas (QUINTEIRO 2010). Sinceramente, olhando com o conhecimento de hoje, acho que foi uma das maiores perdas de tempo da minha vida.

Não desisti ou me conformei. Fiz outra iniciação científica onde tive contato com uma área da ciência muito interessante: a cronobiologia. Explicando de maneira simples, é a área da ciência que estuda como o tempo atua nos seres vivos e como eles se adaptam a isso. Comecei a estudar as influencias circadianos sobre ritmos de variáveis corporais. Logo no começo, procurei saber sobre o que acontece com a força ao longo do dia. Pra minha surpresa, achei trabalhos que mostravam variação da força máxima em diferentes horários do dia clicando aqui. Pensem comigo: se já era irrelevante tentar descobrir qual o valor de algo que modificava com o treinamento (o treinamento visa justamente aumentar a força), imaginem agora sabendo que é esperado que essa capacidade se modifique ao longos das 24 horas do dia! Me parecia que, cada vez mais, seria inútil o valor de um teste seja ele preditivo ou por observação direta do fenômeno.

Mas como treinar então? Se fazer o teste direto ou indiretamente não me daria qualquer informação útil sobre o momento em que eu treinarei, como fazer pra quantificar a intensidade de treino e assim, conseguir aumentar a força?

A primeira idéia sobre isso, tive na especialização e era totalmente voltada ao bodybuilding (estilo de treino que fiz por alguns anos): a faixa de intensidade que produzia maior hipertrofia era de 8 a 12 movimentos máximos. O que isso significa? Coloque uma carga em que a falha concêntrica ocorra entre 8 a 12 movimentos. E o intervalo entre as séries? Curto. Algo entre 60 e 90 segundos.
Essa primeira mudança de treino já me ensinou conceitos importantes: a carga variava dependendo da ordem escolhida dos exercícios e também da condição que eu estava no dia do treino. Isso já era um primeiro passo pra eu deixar de olhar para valores fixos de uma carga máxima imaginária e, com todas as influencias citadas, tornava a busca por conhecer esse valor uma obsessão desnecessária.

Bom, isso foi tudo bem até o dia que conheci o powerlifitng. Quando comecei a levar a coisa a sério, voltei a encontrar pessoas com idéia fixa de quantificar o valor da força máxima. Os “métodos” (se são mesmo métodos ou não, são outros quinhentos) de treinamento que vi tentam controlar tudo: tempo de intervalo, percentual de uma carga máxima - seja ela partindo da carga do último campeonato ou, PIOR E MAIS BIZARRO, partindo de uma CARGA MÁXIMA DESEJADA!. Pausa no texto. Pensem comigo: como assim uma carga máxima que você deseja? Você faz todo seu treino em percentuais de uma carga que você PRETENDE FAZER daqui “x” semanas? Sou só eu que vejo isso ou essa abordagem de treino não tem sentido nem qualquer base científica?

Finalmente, o tiro de misericórdia no uso de valores fixos de máxima para estipular metas de treino veio com minhas incursões sobre o tema da periodização. Complexo demais para o objetivo deste texto sem que se sacrifique o foco, basta dizer que, em treinamento de força, um atleta ou praticante está sempre em estado de INIBIÇÃO (ou sub-compensação, ou adaptação) ou SUPERCOMPENSAÇÃO. Observe o gráfico abaixo. Assim, o valor da carga correspondente ao esforço máximo voluntário vai variar, entre outras coisas, com o ponto da senóide que descreve a curva de supercompensação.



Mas agora vem a pergunta: como treinar para aumentar a força máxima se essa é uma variável desconhecida e qualquer tentativa de calcular ou desejar uma carga máxima consiste num erro? Simples: não calculando. Deixando o desconhecido ser desconhecido. Parece difícil seguir uma periodização assim? não é. Explicarei os detalhes:

O powerlifting é um esporte de força máxima, certo? Logo, o movimento que você faz no tablado competitivo, seria a expressão mais próxima da força máxima, certo? Então vamos assumir que UM movimento é igual a 100% de força máxima. Feito isso, se nós fizermos 2 movimentos máximos, estaríamos em uma intensidade aproximada de 95 a 97% da capacidade. 3 movimentos máximos em 90%, 4 movimentos máximos em 85% e assim por diante. É algo 100% verdadeiro? Claro que não! Durante um período de treino (peridização), lidamos com tais processos de supercompensação e, principalmente, inibição pelos outros treinos que foram feito próximos. Mas, a essa altura da leitura, vocês já devem concordar comigo que isso é um parâmetro interessante e tem potencial de quantificação de carga.

Lógico que tem limitações. A mais importante delas: depende de uma grande inteligência motora e cognitiva do praticante. O praticante deve entender o mecanismo de falha (para isso, obviamente deve falhar em um ambiente seguro e com ajuda) para que ele consiga entender como o corpo dele reage a uma carga em que ele consegue fazer três movimentos e não quatro, por exemplo. Tudo isso demanda um alto nível de auto-percepção, além de entender e saber escolher adequadamente uma carga de uma série baseada na percepção da carga anterior. Outra característica é que não há limitação de tempo de intervalo de treino. Num treno de volume, o intervalo é menor e, num treino de força, a recuperação deve ser completa entre uma série e outra. O tempo? O que o atleta/praticamente precisar pra se sentir totalmente recuperado (novamente alta demanda cognitiva e percepção corporal).

Porém, as vantagens desse método de treino é que não se tenta controlar o incontrolável. A carga de treino se constrói através da percepção subjetiva aguçada do praticante e evolui conforme os processos de inibição e supercompensação vão acontecendo. Esse método dá espaço para o dia que você vai treinar e teve um dia estressante no trabalho, por exemplo. Afinal, ele não tem carga, a sua percepção vai dizer que carga você chegará para AQUELE MOMENTO específico. É o melhor método do mundo? Pode ser. Outros métodos funcionam? Sim. Essa é apenas UMA maneira de enxergar o treinamento de força e existem outras de igual sucesso

Mas o principal é que não é um método fechado. Estamos sempre trabalhando nele, evoluindo e, até o momento, lidamos com o desconhecido valor da força máxima do jeito mais adequado cientificamente: deixando-o desconhecido até que apareça algum método ou conjunto de métodos para quantificá-lo de maneira adequada.


REFERÊNCIAS


QUINTEIRO, H. R. G. ; BELEM, G. G. ; PEREIRA, M. S. ; Machado, A. F. . UTILIZAÇÃO A PARTIR DE VARIÁVEIS ANTROPOMÉTRICAS NA PREDIÇÃO DA FORÇA NO EXERCÍCIO DE LEG PRESS. In: 25 Congresso Internacional de Educação Física - FIEP, 2010, Foz do Iguaçu. The FIEP Bulletin, 2010. v. 80. p. 18-18.

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