quarta-feira, 28 de setembro de 2011

TRADIÇÃO X CIÊNCIA. NECESSARIAMENTE RIVAIS?

Por: Hugo R. Garcia Quinteiro

Texto publicado na Folha Peng Lai
Edição Nº 07 - Ano 02 - Agosto a Outubro de 2011




 
                     

            Quando se busca uma arte marcial que mantém os ensinamentos de milhares de anos como o kung-fu, os anos de treinamento, disciplina e dedicação, tornam-se fundamentais para que o praticante atinja um grau de proficiência no esporte.
            Tudo isso, inicialmente, não parece combinar muito com os atuais modelos de treinamento que se utilizam de testes e análises laboratoriais para melhoria do desempenho e ganho de centésimos de segundo que, muitas vezes, diferem um campeão olímpico de um atleta olímpico “apenas”.
            Neste contexto aparentemente dicotomizado, é que os profissionais envolvidos com pesquisa e os envolvidos com artes marciais devem parar de evidenciar as diferenças e começar a perceber que uma área do conhecimento auxilia na melhoria da outra.
            Na ciência, muitas vezes precisamos utilizar a calma, a perseverança, a observação detalhada do que está ao nosso redor e a humildade (tão evidenciados nas artes marciais) para conseguimos atingir nossos objetivos, assim como nas artes marciais.
            Nas artes marciais, pode-se utilizar as modernas técnicas de treinamento para, por exemplo, melhorar a velocidade ou a amplitude de um chute, sendo possível, até mesmo, auxiliar na melhoria da técnica do movimento. Isso atualmente é feito partindo de uma bateria de testes para que sejam determinadas todas as capacidades físicas envolvidas na técnica que se deseja melhorar ou no ponto fraco detectado. A partir dos resultados deste testes, elabora-se o treino específico para que cada praticante melhore exatamente o que precisa. O treino é ajustado conforme a resposta fisiológica adaptativa do indivíduo, sendo feito isso através de reavaliações freqüentes. Depois do praticante ter atingido o objetivo, traça-se outro objetivo partido das necessidades encontradas em campeonatos ou durante os treinos.
            Um exemplo bem prático é que hoje, já se consegue determinar com muita precisão o tempo que um chute ou um soco leva para atingir o adversário. Este método é realizado através da filmagem em alta definição da luta e, a partir disso, utiliza-se um programa de computador que consegue tanto medir com precisão o tempo do chute ou soco como também registrar qualquer erro de execução da técnica por parte do avaliado. A partir disso, monta-se o treino para aumentar a velocidade do golpe ou para corrigir a técnica. Lembrando que, para corrigir a técnica, a ciência também auxilia na biomecânica dos movimentos, mas o olho experiente do mestre ainda é a melhor ferramenta.
            Muitas vezes, quando praticava judô (e o fiz por alguns anos) me perguntava se realmente todo aquele tempo de treino para aperfeiçoar uma técnica era realmente necessário e se não havia outra maneira de reduzir esse tempo. Creio que todo praticante de arte marcial já se perguntou isso algum dia. Apesar de hoje estar muito mais ligado com a ciência do que as artes marciais, creio que, quase sempre, o tempo pode sim ser reduzido aplicando os princípios e técnicas do treinamento contemporâneo para melhoria da capacidade física ou movimento desejado.
            O que falta hoje é integração entre as áreas do conhecimento. Não devemos abandonar as tradições e os conhecimentos milenares que são pilares das artes marciais. Mas fazer com que novos conhecimentos transformem os grandes obstáculos em pequenos, permitirá que novos desafios sejam transpostos e nos leve a um novo nível de habilidade e conhecimento.

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