Por Hugo Quinteiro
Começo a escrever esse texto por uma premissa do nível 1 de cursos de educação continuada em força HQ Força & Estratégia:
"Exitem várias maneiras certas e várias maneiras erradas de se agachar"
Olhando a primeira vista, parece um tanto confuso porque, afinal, como diferenciar um agachamento correto de um errado? Nisso entramos em algumas questões como fluidez do movimento, proporções corporais, percepção subjetiva do praticante, tentativa e erro, etc.
Fato é que corpos não são iguais. Pessoas possuem medidas antropométricas completamente diferentes e isso é mais que óbvio: uma mulher de um metro e meio tem mesmo tamanho de fêmur que um homem de dois metros de altura? Claro que não, né? Nesse texto (baseado num texto em inglês escrito por Ryan Debell) vamos focar na articulação do quadril
Anatomia Simplificada
A articulação do quadril é, de maneira simplista, um "soquete" (o acetábulo) no quadril e uma "esfera" no final do fêmur. Segurando essa estrutura toda, existem músculos e ligamentos estabilizando e possibilitando movimentos nos três planos de movimento.
TODO agachamento (com barra atrás, na frente, posição alta, posição baixa, sem barra, em dia par, ímpar, feito por homens, por mulheres, crianças, idosos) deve obedecer a leis fundamentais da física para que se consiga manter o equilíbrio. A imagem ao lado demonstra isso:
A linha de gravidade deve se manter no MESMO ponto. Se mudar, a pessoa cai pra frente ou pra trás. Todo o resto do corpo se adapta para que essa linha não seja perdida.
Uma parcela grande dos alunos iniciantes possuem dificuldade em agachar. Nós acreditamos que o processo de alienação corporal das sociedades modernas pelas introdução do uso de cadeiras é o principal responsável pela perda desse padrão inato de movimento. Todo bebê agacha completo, profundo e tecnicamente correto. Duvida? Vá num playground de crianças. Provavelmente você vai encontrar isso lá (Imagem 2):
Não é um agachamento tecnicamente perfeito? Precisou de meses com um personal três vezes por semana ensinando como agachar? Não, né? Porque isso é um movimento INATO do ser humano. Bebês sabem agachar... lidem com essa informação. Outra informação pra lidar é: se ele sabia e virou um adulto que não sabe, ele PERDEU isso ao longo da vida, logo, isso é uma ALIENAÇÃO CORPORAL. essa alienação é causada pelo uso de cadeiras nas sociedades ocidentais. Cadeiras fazem as pessoas perderem o movimento completo de flexo-extensão total do quadril. Isso gera perda de força, coordenação e atrofia da musculatura que envolve o "soquete" e a "esfera" da articulação do quadril.
Mas você deve estar se perguntando aí: como ele sabe que é a cadeira e isso é um processo de civilizações ocidentais? Já viu cadeira em tribo isolada no documentário da TV ou como vivem as sociedades orientais? Já viram como os anciões sentam? Não? Então da uma olhadinha (Imagem 3):
Esse é um daquele momentos que eu gostaria de estar vendo a cara de vocês do outro lado da tela. É ou não é O MESMO padrão do bebê acima? Não usou cadeira, manteve o padrão inato a vida toda.. simples assim.
Olhando as imagens acima também deu para, intuitivamente, perceber que as proporções corporais, e articulares são completamente diferentes e isso vai influenciar na maneira que o corpo precisa se posicionar no espaço para que o movimento/posição se mantenha tecnicamente adequado. Mas que tal a gente olhar isso "por dentro"?
Olhem esses dois fêmures (imagem 4):
Não parece impossivel pra vocês que tamanha diferença espacial no posicionamento da "esfera" cause um agachamento igual? Não é até uma certa ingenuidade achar que deva existir só uma maneira de agachar olhando apenas para essa imagem?
Não parece impossivel pra vocês que tamanha diferença espacial no posicionamento da "esfera" cause um agachamento igual? Não é até uma certa ingenuidade achar que deva existir só uma maneira de agachar olhando apenas para essa imagem?
Tá.. você pode dizer que uma imagem só é pouco. E essa outra (Imagem 5)? Tamanhos de "esferas" diferentes e posição de encaixe diferentes. Isso EXIGE que uma articulação trabalhe de maneira diferente da outra. Pense no trabalho muscular de estabilização de uma "esfera" e da outra. Definitivamente diferente. Não da pra não concordar com isso, né?
Só posição e tamanho? Claro que não. Diferenças de ângulo de encaixe também são gritantes. Existem pessoas que realmente possuem limitações mecânicas que impedem de agachar com maior profundidade? Sim, né? Ficar achando que só trabalho de flexibilidade que vai melhorar isso é uma certa ingenuidade. As vezes, a limitação é mecânica... e você não tem olho de ressonância magnética pra poder enxergar isso.. ou tem? Se tiver, você é um bilionário com seu talento único e não precisa ler isso (imagem 6).
As coisas ficam ainda mais interessantes quando começamos a falar do "soquete". Olhe o ângulo do"soquete" da esquerda (Imagem 7): não é favorável a um agachamento mais fechado?
Se olhar o "soquete" da direita e tentar imaginar a pessoa agachando mais fechado, provavelmente sua imaginação vai chegar no ponto que a pessoa vai, sem dúvidas, cair pra trás por não conseguir manter a linha de gravidade dentro do padrão adequado (Imagem 1)
A Imagem 8 mostra, por outro ângulo, como os "soquetes" são diferentes. Creio que, nesse ponto, vocês já estão convencidos que, NÃO TEM COMO essas duas pessoas agacharem da mesma forma, certo? A anatomia desses ossos não deixam isso acontecer.
Olhando o "soquete" de uma visão lateral na Imagem 9, da pra perceber como um é mais lateralizado que outro e, não só isso, como um é muito mais "raso" que o outro permitindo, com isso, maior amplitude de rotação. Não é uma questão de flexibilidade o dono do quadril da esquerda ter menor amplitude de rotação que o da direita. É um impedimento mecânico. Agachamento unilateral é mais fácil pra um do que pro outro olhando essa imagem? Com certeza!
Concluindo
Imagem 9 |
Concluindo
Qualquer ser humano que deseja agachar não pode fazer isso de maneira padronizada. Por isso, a frase inicial de "exitem várias maneiras certas e várias maneiras erradas de se agachar" é usada pela nossa equipe. Encontrar o padrão de movimento correto que dê conforto para o seu aluno e saber identificar o que é um encurtamento muscular e o que é uma limitação óssea é o primeiro dos segredos que difere um simples treinador de alguém que está alcançando o estado-da-arte do treinamento de força. Estado esse que só se alcança com MUITAS "horas de vôo". E não bastam ser só horas de vôo ensinando e vendo pessoas agachar. São muitas horas de vôo também PRATICANDO agachamento. Movimentos básicos, né? Lembrem-se que a palavra BÁSICA é completamente diferente de SIMPLES.
REFERÊNCIAS:
Coutinho, M., De volta ao básico: powerlifting - treinamento funcional, esporte de alto rendimento e prática corporal para todos.2011, São Paulo: Editora Phorte. (não tem? Larga mão de ser mané e compre clicando aqui)
REFERÊNCIAS:
Coutinho, M., De volta ao básico: powerlifting - treinamento funcional, esporte de alto rendimento e prática corporal para todos.2011, São Paulo: Editora Phorte. (não tem? Larga mão de ser mané e compre clicando aqui)
De Bell, R., The Real Reason Why People MUST Squat Differently (disponível aqui)
3 comentários
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O bebe agacha perfeito porque suas proporções tronco - pernas são completamente diferentes das do adulto. Se entende que também o adulto vai perdendo mobilidade com o tempo, mas o fator principal do agachamento do bebe é a geometria de seu corpo e não a mobilidade articular.
Então, José. Claro que a geometria do corpo do bebê favorece e as proporções corporais mudam ao longo do tempo. Mas, o que quis mostrar no texto é que o padrão de movimento já existe em bebês e que, se não for socialmente inibido (cadeiras), ele permanece até o final da vida mesmo se as proporções corporais mudarem.
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