sexta-feira, 27 de maio de 2016

A Nona Sinfonia da Força

por Hugo Quinteiro





Esses dias, comentando um post do Riccardo Rambo, fiz uma analogia que, conforme ele mesmo disso foi “Puta viagem. Mas é isso mesmo.”

O comentário era como eu enxergava o treinamento:

“pensar em força nesse nível pra preparação desportiva me faz olhar uma figura aparentemente simples e imaginar uma enorme periodização olímpica... de 4 anos... onde elementos vão se encaixando quase como notas musicais numa sinfonia. Como diria Beethoven: escutando o silêncio (supercompensação) entre as notas (estímulos)”


Fiquei com isso na cabeça… e, amigo, quando eu fico com algo assim na cabeça, só fico livre depois que isso vira um texto de verdade. Então aí vai:

Minha música preferida de todos os tempos e toda a minha existência foi e será a nona sinfonia de Beethoven. Já ouvi duas vezes ao vivo e choro igual criança (sério.. levo lenço e chego a soluçar). Gosto dela por uma série de motivos:

- Foi escrita por um SURDO. Sim.. ele não ouvia mais porra nenhuma quando escreveu o que, na minha opinião, é a melhor composição da história da humanidade.

- Foi escrita por um LOUCO. Ou você acha muito normal alguém só conseguir acalmar um cérebro colocando notas musicais num papel mesmo não conseguindo ouvir nada? O som vinha de dentro da cabeça!
- Foi revolucionária: foi considerada, depois, a última música do estilo romantico. Beethoven mesmo colocou fim no estilo romântico e compôs “a fuga” na sequencia. Que artista você conhece que coloca fim a um próprio estilo que ele fez parte? Foda, né?

- Colocou UM CORAL INTEIRO numa sinfonia. E deixou os caras lá uma hora antes de começarem a cantar. Ninguém mais acreditava na sua sanidade mental e quase que a coisa não acontece… mas ele estava certo e o coral entra no momento perfeito.

- Virou, centenas de ano depois, o hino da união europeia por pregar a felicidade e união entre os povos. Representa o melhor do espirito humano em harmonia.

Tá.. tudo muito bonitinho e legal mas.. o que isso tem a ver com treinamento? TUDO, gente… vou destrinchar a música e mostrar como ela funciona como uma periodização de força bem sucedida. Vem comigo:


Quando a música inicia em seu primeiro movimento, Allegro ma non troppo, un poco maestoso, não da pra não imaginar uma sequência diferente que não leve a um final grandioso. As notas iniciais, suaves, como estímulos com maior volume e menor intensidade no início de um ciclo de preparação geral. A harmonia dos das notas em movimentos suaves e bem amarrados como variações de agachamento, com muito volume buscando a precisão técnica e o movimento perfeito e harmonioso no espaço.

No segundo movimento, Scherzo: Molto vivace - Presto, uma surpresa: a inversão do tradicional, um aumento súbito no ritmo da música ao contrário do que os outros compositores fazem normalmente. Isso é a quebra do paradigma. É o treinador que tem uns bancos e umas caixas e precisa treinar sua equipe num inverno russo. É Verkhoshansky criando a partir do nada.. revolucionando com a inversão de ordem. É o novo onde antes só existia o tradicional. Paradigma quebrado, exemplo pra todos que vêem depois.

O terceiro movimento, Adagio molto e cantabile - Andante Moderato, calma.. repetições e fluidez representando o básico bem feito e uma harmonia exploratória dos instrumentos. Em treinamento isso significa a volta ao básico, sem invenções. O simples e bem feito que atende exatamente aquilo que o atleta precisa e o prepara para o desafio competitivo que se inicia.

O quarto movimento, Recitativo, O Freunde, tudo tocado até agora serve para trazer até esse momento. A abertura da melodia famosíssima que precede o coral indicando a grandiosidade de tudo que se aproxima. A glória, o levantar do coral que, até aquele momento, estava assistindo toda orquestra tocando. O Hino a Alegria - que já existia como poema, mas era impensável em se utilizar como música em uma sinfonia. A emocionante expressão de uma vida através de sons! O mundo visto através das notas e do silêncio entre elas e a perfeição musical mostrada pelo compositor como um guia mostrando como ele expressa a beleza da vida através da musicalidade. Impossível não associar aos momentos que antecedem a competição. Os treinos se tronando grandiosos, a vida sendo preenchida por aquilo que expressa o atleta como ser humano: o ato de competir. A competição sela o propósito da existência de um atleta. A glória de vencer justifica qualquer dor. TUDO valeu a pena e, se a existência dele terminasse no segundo após vencer, tudo… absolutamente TUDO teria valido a pena… no regrets!

O segundo de silêncio que se dá assim que se toca a última nota e que antecede os aplausos é o segundo mais longo que alguém pode viver: seja na paz de espírito por escrever uma obra que, como ele mesmo sabia, mudaria a história da musica pra sempre é a mesma sensação do segundo seguinte a barra tocar o chão ao final do último terra e perceber que você viveu TODA sua vida pra que aquele segundo existisse e desse sentido a toda sua existência.

Como disse o Rambo no começo: “puta viagem”... mas espero que seja isso mesmo.

2 comentários

Unknown disse...

Legal o texto!

Unknown disse...

Adorei a comparação.Parabéns pela sua inteligência

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