“ -Você “pregou” no exercício por causa do ácido lático!”
Quantas vezes já ouvimos esse termo (e até alguns já utilizaram), não é mesmo?
Mas quantos já pararam pra refletir sobre a veracidade dessa informação?
Quando se busca na literatura sobre ácido lático, encontra-se este paradigma no passado e que, com o avanço dos estudos, vem mostrando que o ácido lático não é o vilão da atividade física intensa como era no passado.
Todos nós sabemos que o ácido lático é formado quando fazemos atividade física intensa e é um metabólito da glicólise aneróbia. Com isso, deduziu-se simplesmente que, pelo seu pH 1 ele seria responsável pelo aumento da acidose no músculo e, com isso, dificultando a ação enzimática e conseqüentemente induzindo mais rapidamente o mecanismo da fadiga muscular2.
Contudo, pesquisas recentes e até mesmo a literatura de referência na graduação já está modificando essa forma de pensamento. Várias são as citações onde o ácido lático não é mais visto pelo menos, como único responsável pela fadiga muscular.
O ácido lático é uma fonte valiosa de energia química potencial que é utilizada continuamente pelo corpo no exercício moderado e que se acumula durante o exercício intenso (MCARDLE, 2008). A partir dessa informação, não se pode dizer que, apenas pelo fato do ácido lático se acumular durante o exercício físico intenso, ele é o responsável pela fadiga muscular em exercícios físicos intensos.
O ácido lático difunde-se rapidamente pelo sangue onde é tamponado para formar o lactato3 (sal) e, a partir daí, é transportado a partir do local do metabolismo energético. Contudo, o aumento na acidez por si só não explica a redução da capacidade de realizar exercícios durante um exercício físico intenso (MCARDLE, 2008).
Outros estudos chegam a afirmar que o ácido lático não gera acidose muscular por ser necessários ácidos precursores com uma constante de dissociação (Pk)4 maior que o próprio ácido lático e eles seriam mais rapidamente dissolvidos no interior da célula muscular gerando a acidose de forma mais rápida antes de ser convertido em ácido lático (MACHADO, 2008).
Estudos foram publicados recentemente mostrando que o músculo não é afetado pela hiperlactatemia5 (ONAY BESIKCI, 2007) além de possuírem efeitos neuroprotetores em estado de hipoglicemia (MARAN et al., 1994; MARAN et al., 2000). Também foi demonstrado que a infusão de lactato não causa prejuízo ao metabolismo (MILLER et al., 2002).
Além de ter desvendado que o lactato não era o responsável pela fadiga, o próprio paradigma de que a acidose causa fadiga foi colocado em cheque pelos pesquisadores. Fatores como o acúmulo de cálcio (Ca2+), de fosfato inorgânico (Pi), desequilíbrio iônico de potássio (K+) e outros diversos fatores se acumulam como causa da fadiga muscular em detrimento da acidose como única responsável.
Com isso, os estudos exploraram outro campo: que o lactato pode ser um recurso ergogênico!
Demonstrou-se que o lactato produzido durante os exercícios são utilizados como esqueleto de carbono para a beta-oxidação e a gliconeogênese (hipótese de transporte de lactato entre células) e é utilizado como fonte de energia pelos músculos esqueléticos, principalmente fibras do tipo I (oxidativa ou vermelha) durante e após os exercícios (BERGMAN, et al.,1999; HASHIMOTO E BROOKS, 2008). Com isso, demonstra-se mais uma vez que o padrão de pensamento foi mudado, pois se o lactato é transportado para o interior da célula para ser utilizado como fonte de energia, ele seria potencialmente prejudicial para o tecido muscular (geraria acidose), abreviando o tempo de geração de fadiga no tecido.
Portanto, procurem sempre aperfeiçoar o senso-crítico para evitar falácias e paradigmas que, há muito, já mudaram.
1- pH: é o símbolo para a grandeza físico-química 'potencial hidrogeniônico'. Essa grandeza indica a acidez, neutralidade ou alcalinidade de uma solução líquida. O valor do pH está diretamente relacionado com a quantidade de íons hidrogênio de uma solução.
2- Fadiga muscular: Pode ser definida como sendo a incapacidade do músculo em manter uma determinada potência, ou uma deficiência em sustentar um nível particular de desempenho durante um exercício físico (SANTOS E SARRAF, 2003).
3- O lactato é um composto orgânico resultante do metabolismo de carboidratos, produzido em anaerobiose para ser utilizado como fonte de energia adicional para o corpo (ALBIERO, 1998).
4- Constante de dissociação (Pk): De forma simplificada, é o pH em que um ácido e os íons derivados de sua dissociação encontrar-se-iam em concentrações iguais (MACHADO, 2008).
5- O aumento do nível de lactato sérico é denominado hiperlactatemia e pode ser um fenômeno temporário que ocorre após o exercício, quando a utilização do lactato é adequada para normalizar a substância na circulação durante o período de recuperação da atividade muscular ou pode ser um evento mais duradouro, nos casos de doença grave (SIMÕES et al., 1999; NEL, 2005).
Referências:
BARROSO, R. M. V.,et al. A utilização do lactato como marcador biológico prognóstico. UNESC em Revista. , v.9, p.157 - 172, 2006.
MACHADO, M. Limitações lógicas ao modelo da fadiga induzida pelo ácido lático. Perspectivas on line. Volume 5; Número 2, 2008.
McARDLE, W.D.; KATCH, F.I.; KATCH, V.L. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e desempenho humano. 6º ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
SANTOS, M. G. DOS; DESAN, V. H.; SARRAF, T.H. Bases metabólicas da fadiga muscular aguda. Rev. Bras. Ciên. e Mov.; v. 1, n. 1, p. 07-12. Brasília, 2003.
4 comentários
Adorei o assunto.... isso serve para complementar os meus conhecimentos....
Parabéns.. vou sempre visitar o blog...
Bjsssss
O Tema foi escolhido com perfeição.
O assunto se desenvolve principalmente entre os praticantes de esporte e, como disse, é útil desvendar esses paradigmas, principalemnte com uma explicação cientifica.
ps.: Meus musculos ainda doem, rs!
Tami
òtima explanação.
Desejo um prolongado sucesso ao blog.
Um grande abraço.
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